Condições climáticas severas têm prejudicado a produção de trigo nos principais países exportadores, agravando o cenário de estoques globais que já se aproximam dos níveis mais baixos em nove anos e provocando uma alta acentuada nos preços do cereal. A seca, que atinge desde a Rússia, maior exportador mundial de trigo, até a Argentina, está deixando a oferta de alimentos cada vez mais vulnerável, em meio a um cenário de incertezas alimentado pelos recentes ataques russos a navios de grãos no Mar Negro.
Países exportadores do hemisfério sul, como Argentina e Austrália, perderam milhões de toneladas de trigo devido à combinação de seca e geadas, enquanto a falta de umidade também ameaça as plantações para 2025 na Rússia, Ucrânia e Estados Unidos. "O mercado de trigo está ficando cada vez mais restrito e a situação tende a piorar", afirmou Ole Houe, chefe de serviços de consultoria da IKON Commodities, sediada em Sydney.
Os estoques mundiais de trigo, que atingiram recordes há cinco anos, têm caído de forma constante devido às condições climáticas adversas e ao impacto da invasão russa à Ucrânia em 2022, que temporariamente elevou os preços dos grãos. Na semana passada, a Ucrânia informou que ataques russos danificaram dois navios de grãos no país.
A Rússia também enfrenta desafios em sua colheita de trigo, afetada por geadas tardias e uma prolongada seca desde abril, conforme relatado pela ministra da Agricultura, Oksana Lut. "Em algumas regiões, não chove desde abril", disse Lut durante uma conferência. "Não sei se já houve um ano como este, em que tudo que poderia acontecer com o clima, aconteceu."
Atualmente, no mercado físico, o preço do trigo proveniente da região do Mar Negro e vendido no Sudeste Asiático está cotado em cerca de 280 dólares por tonelada, incluindo custo e frete, valor superior aos 265 dólares de aproximadamente um mês atrás. Na Bolsa de Chicago, os contratos futuros de trigo atingiram, na última semana, o maior valor em quatro meses, recuperando-se de um ponto de baixa registrado em julho, que foi o mais fraco desde 2020.
Em meio a esse cenário, alguns agricultores de países exportadores como Austrália e Canadá estão segurando as vendas, apostando em uma nova alta dos preços. "Essa é uma tendência comum nos principais países exportadores de trigo; os agricultores não estão vendendo, e isso está começando a causar problemas para os comerciantes, que se comprometeram a entregar o produto aos moinhos", afirmou um comerciante de grãos de uma empresa internacional com sede em Singapura.
Nos Estados Unidos, o agricultor Doug Keesling, de 50 anos, relatou estar torcendo para que chova em seus campos em Chase, Kansas, onde plantou cerca de 486 hectares de trigo, enfrentando o terceiro ano consecutivo de seca. "Posso cavar até 10 cm e não há uma única gota de umidade no solo", lamentou Keesling. "Se chover, o trigo vai crescer. Se não chover, será difícil até mesmo para o próximo ano."
As perspectivas de produção no estado vizinho de Oklahoma também são desanimadoras para 2025, com a seca retardando as plantações, de acordo com Mike Schulte, diretor executivo da Comissão de Trigo de Oklahoma.
Projeção de estoques e impactos nos preços
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) projeta que os estoques globais de trigo atinjam a menor marca em nove anos, com 257,22 milhões de toneladas em 2024-25, apesar de uma expectativa de produção recorde de 796,88 milhões de toneladas. No entanto, analistas consultados pela Reuters esperam que o USDA revise sua previsão de estoques para 256,14 milhões de toneladas.
"Ainda há muito espaço para uma alta nos preços, especialmente se o USDA reduzir a produção global em cerca de 3,5 a 4 milhões de toneladas", observou Terry Reilly, estrategista agrícola sênior da Marex.
Na América do Sul, a Bolsa de Grãos de Rosário revisou sua estimativa de colheita de trigo na Argentina para 19,5 milhões de toneladas, ante uma previsão anterior de 20,5 milhões. Já a Austrália, que deve colher entre 32 e 33 milhões de toneladas, registrou uma produção inferior à estimativa inicial de 2 a 3 milhões de toneladas, segundo analistas. "As condições estão bastante secas, e também houve danos significativos causados pelas geadas", afirmou Dennis Voznesenski, analista do Commonwealth Bank, durante uma visita a fazendas de trigo no sul da Austrália. "As colheitas não estão apresentando um bom aspecto."
Fonte: Portal do Agronegócio